sábado, 7 de maio de 2011

PRÓLOGO

Ouviam-se gargalhadas e vozes super alegres na praça principal de Barcelona.
Mariza Martínez olhou para o céu, onde resplandescia um belo dia de Verão. Esticou os seus braços no ar e interrogou:
- Esta cidade não é linda?
A sua melhor amiga, Inês Oliveira seguiu o exemplo da sua amiga e fechou os olhos, quase a pairar no ar.
- É linda, sim senhora!
- Pois, principalmente agora! Com o chico Torres! – exclamou Mariza, rindo-se ao agitar as sobrancelhas de forma perversa.
Quando Inês encontrou o seu olhar, fingiu estar furiosa e fez-lhe um olhar faiscante. Mariza mirou-a e começou a correr à sua frente, sem parar de rir.
Ambas cansadas de correr e sem fôlego, deixaram-se cair no muro à volta de uma fonte muito bela, cuja água cristalina chamou à atenção dos olhares das amigas.
- É pena que amanhã tudo isto acabe... – sussurrou Inês.
Mariza pousou a mão no ombro dela.
- Não te preocupes. Vamos estar super fresquinhas para aguentar com mais um ano de aulas!
- Sim, não há dúvida que estas férias nos fizeram maravilhas, mas...
Mariza mirou-a atentamente.
- No fundo estás assim, por causa do Torres, não é verdade?
Inês deixou escapar um suspiro. Mariza abraçou-a.
Sim, era verdade, as férias para as duas vizinhas de um humilde prédio nas Laranjeiras, perto do Jardim Zoológico de Lisboa.
Os pais de Mariza estavam agora divorciados; à 20 anos atrás, Fernando Martínez tinha visitado Lisboa e, sem saber bem como, conheceu Helena Silva. Os noivos, apaixonados, decidiram começar a sua vida de casal em Espanha, mais precisamente em Barcelona, onde uma grande mansão os esperava, de modo a viveram felizes para sempre. Dois anos depois, nasceu Mariza Silva Martínez – uma menina bonita, muito divertida e curiosa, que assistia todas as noites às bravas discussões dos pais. Um ano depois, nasceu o seu irmão, Alejandro Martínez, que infelizmente, não veio apaziguar o forte desentendimento entre os pais. Passados poucos meses, Fernando e Helena separaram-se. Mariza veio morar com a mãe para Laranjeiras em Lisboa e Alejandro ficou com o pai em Barcelona.
As férias de Verão são a única altura em que Mariza volta à sua terra, convive com o seu irmão , com o seu pai, com os seus imensos primos e volta a abraçar a sua querida cidade de berço.
Todos os anos a história repete-se, mas este ano foi especial! Foi diferente!
Mariza não deixou Lisboa, agarrou nas suas malas pesadas e entrou no autocarro sozinha; desta vez, levou consigo a sua melhor amiga: Inês – sua vizinha, colega de Universidade e claro está, com o seu eterno companheiro: Gonzaléz – um maravilhoso gatinho com pêlo laranja e olhos ternurentos.
As boas-vindas de Espanha trouxeram uma grande surpresa a Inês...
No primeiro dia que chegaram à cidade, Mariza apresentou-lhe o seu primo mais velho ao qual era mais amiga e tinha mais confiança: o primo Rámon.
Por mero acaso, Rámon tinha trazido para jantar e, consequentemente, para conhecer Mariza, o seu melhor amigo, o jogador de futebol: Fernando Torres. Mas a prima não tinha mostrado muito interesse no espanhol muito bem parecido... já Inês... foi outra história.
Mal se viram, o olhar perpicaz de Mariza identificou de imediato, faíscas no ar, a pairarem nos olhos um do outro. Passada uma semana, começaram a namorar. Já lá iam dois meses... Estavam agora na primeira semana de Setembro e Inês sentia-se muito em baixo pelo seu momento no Paraíso ter chegado ao fim...

Passada uma hora, estavam de volta à mansão Martínez.
- Papá! – exclamou Mariza ao depositar um beijinho na face do pai que as esperava à entrada.
- Cómo estás? Cómo fue su viaje a la ciudad?
- Fue muy bueno, papá, pero ahora estamos un poco cansadas.
- Resto. Resto. – fazendo sinal para que entrássem para descansarem.
Fernando Martínez olhou para Inês.
- Te gustó el viaje?
- Sim, gostei muito. – respondeu calmamente Inês. Já conseguia compreender bem o Espanhol, embora Fernando e os outros familiares falassem muito mais depressa do que a sua amiga.
- Y cómo está Fernando Torres?
Inês encarou os olhos quase pretos do pai Martínez. Comprimiu os lábios rosados e mordeu-os, quando se apercebeu que estavam a tremer.
Os seus olhos azuis claros encheram-se de lágrimas grossas e tapou a cara.
Mariza virou-se para trás e rosnou ao pai.
- Papá, qué le dijiste? – suspirou. Envolveu Inês com um braço e encaminhou-a para dentro de casa.
- Qué hice mal?! – interrogou-se o pobre homem, confuso.
Mariza bufou.
- Hombres! – exclamou, enquanto acalmava a sua amiga.
Estavam agora no jacuzi de uma das quatro casas de banho luxuosas da mansão.
Inês – já muito mais calma – bebia golinhos do seu IceTea de Limão fresco. Mariza estava ao telefone com a sua mãe.
- A sério? JÁ?
Inês fazia sinais com a boca, perguntando a Mariza do que é que estava a falar.
- Hum... não, não. Por mim não há problema nenhum. Só achei estranho chamarem-me assim tão cedo.
Mariza fez linguagem gestual rasca a Inês – o que contribuiu para ela ficar mais confusa.
- E é onde? – perguntou Mariza ao agarrar no copo com o seu IceTea de manga. Bebeu um gole. Depois, cuspiu-o violentamente, atingindo a cara de Inês. Esta tinha agora os olhos fechados e contava mentalmente até 10, tentanto encontrar uma pequena razão para não estrangular Mariza.
Noutras circunstâncias, Mariza ter-se-ía rido sem conseguir parar, no entanto, foi a sua calma espera pela resposta da sua mãe, que fez Inês abrir os olhos, tranquila.
Mariza estava de olhos arregalados.
- No Estádio da Luz? Tens a certeza?
- O QUÊ?! A tua mãe está no Estádio da Luz para nos comprar bilhetes para o próximo jogo do Benfica? – murmurou Inês, exigindo uma resposta rápida. Sim ou Não. Mas os seus ouvidos estavam mais dispostos a ouvir um “sim”, pois o Benfica era o seu clube do coração!
Mariza abanou a cabeça. Inês suspirou, triste, engolindo mais IceTea.
- OK, está bem, mãe. Obrigada por me teres telefonado. Beijinhos. Até amanhã. – despediu-se e clicou no botão para desligar.
Lentamente, levantou os seus olhos castanho-esverdeados para encarar Inês. O que se passa? – sussurrou Inês, até com medo de falar alto.
- Eu. Vou. Estagiar. No. Estádio. Da. Luz. – disse, respirando com dificuldade.
Inês levantou as sobrancelhas.
- Estás a gozar comigo, não estás?
- Não, não, nada disso, carinõ! Eu vou mesmo estagiar lá. Para o curso onde me inscrevi, a Universidade arranja logo sítios para os estagiários aplicarem os conhecimentos que vão aprendendo.
- OMG!
- Pois!
- E qual vai ser precisamente o teu trabalho?
- Pelo que a minha mãe me disse vou trabalhar com jovens, como organizar visitas guiadas ao Estádio e coisas do género.
- UAU, Mariza! Que sortuda!
- OH! A ver se arranjo bilhetes de borla aqui para a gente!
- Óptima ideia!
Riram-se.
O telemóvel de Inês vibrou. Esta pousou o copo e mirou o ecrã.
A cara que Inês fez, incentivou a curiosidade de Mariza.
- O que se passa?
- É o Torres.
- Atende, rapariga!
- Estou?
Mariza tentava perceber a conversa. Pelo que o seu bom ouvido dizia, Torres estava a convidá-la para sairem uma última vez.
- Aceita! – disse ela.
Inês mordeu o lábio, indecisa.
Mariza estava quase a arrancar-lhe o telemóvel das mãos para dizer Ela aceita!, quando Inês disse:
- Sim, OK. Vou-me arranjar, então. Beijos.
- Ai, não sei o que hei-de vestir! – disse Inês, cruzando os braços como que a desistir.
- Calma, Loirinha! – exclamou Mariza ao procurar exaustivamente no grande armário que continha a roupa que ambas tinham trazido para as férias e... que tinham comprado nas belas lojas de Barcelona.  Pegava em várias peças de roupa que lhe pareceram as mais adequadas e estendeu-as na cama. Depois de algumas discussões entre as duas, fizeram a sua decisão final: o vestido “AMOR” turquesa. Deram-lhe o nome “AMOR”, porque o acharam mesmo um amor (eheh).
Inês maquilhou-se um pouco, respirou fundo e saiu para o corredor.
As amigas chegaram à porta da mansão; a sala estava cheia de gente.
Os primos de Mariza – uns da sua idade, outros mais velhos – conversavam alegremente com o pai Martínez e com as irmãs dele. Mariza também reparou, por coincidência, que não estavam lá presentes nenhuma das namoradas dos seus primos. Achou estranho.
Abriram a porta e miraram a noite; ainda não conseguiam avistar nenhum carro.
Inês respirava com dificuldade. Mariza olhou-a, levantando uma sobrancelha fina.
- O que foi, Loirinha? – perguntou, dando os últimos retoques ao lindo cabelo loiro de Inês.
- Ai, estou nervosa.
- Não estejas, cariño. Lembra-te: age com naturalidade e não mostres que estás nervosa! Ele adora-te e tu a ele, vai correr tudo bem.
- E quem te disse que vai correr tudo bem?
- O meu sexto sentido.
- Será de fiar?
- Claro, ora essa!
Mariza fez uma cara cómica, fingindo estar profundamente ofendida;
Inês riu-se; Era esse o objectivo.
De repente, saindo da noite escura, vislumbram um Porche preto muito brilhante. Sai de lá: Fernando Torres. Trajava uma camisa fresca azul escura e umas jeans escuras. Tinha o cabelo bem penteado e os seus olhos brilhavam, quando os pousou em Inês. Enquanto se encaminhava até às duas amigas que tinha feito, graças ao seu grande amigo Rámon, pensou em dizer à sua namorada o quanto estava bela. Depois pensou que seria um disparate afirmar o óbvio, afirmar o que ele já tinha visto à muito tempo: o quão linda era ela vista pelos seus olhos apaixonados. Ficou então, na dúvida, mas o que é certo é que mal chegou até elas, disse:
- Estás guapísima!
Inês corou e respondeu:
- Obrigada.
Por momentos mágicos deixaram-se ali ficar, de frente um para o outro, mirando-se minuciosamente. Até que uma voz fina, que disfarçava um riso harmonioso, fez quebrar o encantamento que mantinha os olhos fixos um no outro.
- Boa noite também para ti, Fernando. – disse Mariza.
Fernando olhou para ela, só agora parecendo reparar na sua presença.
- Oh, buenas noches, Mariza. Cómo estás?
- Muy bién, muy bién! Y tú también, supongo.
Ele sorriu.
- Vá-vá! Vão lá embora. Divirtam-se! – exclamou Mariza, dando um impurrãozito leve a Inês.
Fernando já estava a entrar para o carro, enquanto Mariza tentava a chamar à atenção da amiga.
- Juízo, sim?
- Claro, mãe.
- Estou a falar a sério.
- Eu também.
Mariza mostrou-lhe a língua e Inês fez-lhe o mesmo.
De repente, uma tia de Mariza aproxima-se dela, pondo-lhe o braço em cima.
- Mariza! Vamos, vamos! Va a vestirse para el espectáculo!
- Qué espectáculo? – inquiriu ela, confusa.
- Tú y las novias de tus primos a bailar Flamenco!
- CÓMO?! – berrou um pouco histérica.
Inês riu-se. Mariza fitou-a e não compreendeu a sua reacção.
- O que foi? Que mal tem? Vai lá dançar. Tu adoras dançar, principalmente Flamenco. Vai lá, diverte-te tu também! – afirmou Inês.
Mariza sorriu, fazendo covinhas nas bochechas. Enviou um beijo à sua amiga e foi arrantada para dentro de casa.
Inês entrou assim no carro.
Fernando agarrou-lhe na parte lateral do pescoço e beijou-a apaixonadamente, como se estivesse extremamente ansioso por fazê-lo.
Inês correspondeu ao beijo num acto reflexo.
Depois do intenso beijo, Fernando fez festinhas na cara rosadinha de Inês.
Inês pousou a mão no peito do seu namorado, sentindo os seus batimentos cardíacos.
Após alguns momentos a olharem-se, Fernando voltou a focar a sua concentração no carro e na estrada e sairam pelos grandes portões da mansão.
Mariza fitou de olhos arregalados, (quase de pânico) o vestido branco com flores pretas a adornarem-no. Detestava folhos e naquele vestido de flamenco predominavam folhos! Não queria dançar dentro daquele vestido foleiro e justissímo, mas tinha de o fazer...
- Está usted listo? – interrogou a namorada do primo Juan.
Mariza olhou para a espanhola morena e fez beicinho.
- No quiero usarlo.
- Por qué?
- Es muy feo!
- No es nada! – exclamou a espanhola, ajudando a despir a T-shirt laranja de Mariza.
Vestiu o vestido e mirou-se ao espelho, aborrecida.
Mordeu o lábio, analisando bem todos os ângulos de visão.
Não me fica nada mal, pensou ela.
O vestido justo ajustava-se perfeitamente nos seus ombros firmes e na sua cintura fina; o decote fazia-se pronunciar no seu peito.
Os folhos não são assim tão foleiros, reconheceu.
A namorada do seu primo, deu-lhe uma flôr branca para pôr no cabelo e ela assim o fez. Deu volume aos seus caracóis tão negros que faziam intimidar a noite mais escura do ano, respirou fundo e saiu do quarto.
Inês entrou num restaurante chique, sentindo a mão de Fernando na sua cintura delgada. Entraram calmemente. Fernando apontou para uma mesa pequena, acolhedora e distanciada das outras. Ajudou Inês a sentar-se na cadeira almofadada, empurrando-a com delicadeza quando a sua namorada se sentou. Fernando sentou-se; estava corado, mas não deixava de fitar a sua bela Inês.
Pouco tempo depois, um empregado de meia-idade veio à mesa com a ementa.
- Para empezar, queremos chorizo. – afirmou Fernando.
O empregado tomou nota.
- Luego, queremos paella de marisco. Y para beber son dos té helado de limón.
- Gracias. – disse o empregado, apontando os últimos pedidos, retirando-se.
Inês olhou Fernando. Esticou a mão de encontro à sua. Falaram pouco, gostavam mais de ficar horas e horas olhando nos olhos um do outro, apreciando o silêncio entre eles.
- Qué pasa? – perguntou ele em voz calma.
- Nada. – respondeu Inês, sem o fitar. Olhava para as suas mãos finas a contrastarem com as mãos grandes do seu namorado.
- Estás un poco triste.
- Eu? Não, é só impressão tua. Deixa.
- Te conozco, estás triste! Qué pasa? Dime.
Inês encolheu os ombros, suspirando.
- É só que... – mordeu o lábio – é só que amanhã vou-me embora e não vamos poder estar juntos... talvez, nunca mais nos voltaremos a ver... e eu não sei como lidar com a situação... – os seus olhos ternos encheram-se de lágrimas.
Fernando levantou-se e enjoelhou-se no chão. Pegou firmemente nas mãos de Inês, olhou-a nos olhos e disse:
- Te amo. Te amo! No hay distancia que nos separe!
- Falas como se fosse possível vermo-nos com frequência.
- Y será posible.
Inês inspirou fortemente e virou a cara. Fernando agarrou-lhe o maxilar, não a deixando escapar dos seus olhos.
- No se preocupe. Vamos a encontrar una solución. Y ahora, cena!
Vamos a pasarlo bien y no se preocupe!
- Está bem. – disse ela, limpando as lágrimas.
Fernando inclinou-se sobre ela e beijou-a apaixonadamente.
Alejandro começou a dar os primeiros acordes na sua guitarra espanhola.
Rámon começou a bater palmas, incentivando as bailarinas, dando-lhes mais ritmo. Outras palmas se fizeram ouvir e Marisol – a namorada do primo Juan – foi para o palco de madeira (construído à anos pelo pai de Mariza) e começou a dançar com vivacidade.
Quando a música acabou, Mariza sabia que era a próxima a dançar.
Alejandro – o seu irmão – começou a tocar Dance of Spring de Jesse Cook.
Mariza saltou para o palco. A sua dança tinha pouco de sapateado (só no começo). Mostrou a sua agilidade com o ritmo que tinha no corpo.
Acabou de dançar eufórica.
Quando outra rapariga deu lugar no palco, Mariza dirigiu-se ao seu irmão e segredou-lhe ao ouvido:
- Muy bien, hermano. Tocas muy, muy, muy bien. Te amo. – dando-lhe um beijinho na bochecha e despenteou-lhe o cabelo castanho escuro.
- Y tú, bailas muy, muy, muy bien, hermana.
Inês saboreava devagar a comida. Gostava. Bastante.
Era a primeira vez que comia aquele prato.
Fernando riu-se quando ela olhou para a travessa, medrosa por não gostar do prato. Mas gostou.
Comeram muito mais descontraídos, esquecendo o facto que a partir da manhã seguinte, não se veriam...
Acabaram o delicioso jantar e Inês aguardava que Fernando chama-se o empregado, pedindo-lhe a lista de sobremesas.
Os olhos azuis de Inês brilharam com mais fulgor ao ver três homens pequenos com cerca de 50 e tal anos, sorridentes que traziam consigo instrumentos musicais. Os homens posicionaram-se mais ou menos perto da mesa onde os pombinhos apaixonados se encontravam.
Quando o unísono de violinos se fez ouvir calma e relaxadamente, Fernando levantou-se e estendeu a mão a Inês. Ela sorriu e pegou-lhe na mão. Fernando não tinha muito jeito para dançar; Inês já tinha percebido.
Mas, isso não o impediu de colocar a cabeça de Inês contra o seu peito forte e macio, agarrar-lhe bem na mão, posicionando a outra no fundo da sua cintura e balançá-la aos leves acordes dos violinos.
Acabaram a dança abraçados, com sorrisos tímidos, mas cumplices e com os olhos brilhantes pousados um no outro.
Depois de acabar de jantar e de dar as boas-noites à família, Mariza dirigiu-se ao seu quarto. Escolheu um livro da sua prateleira cheia, deitou-se na cama e preparava-se para ler Hush,Hush pela quarta vez.
Acendeu o candeeiro, esfolheou o livro até encontrar o primeiro capítulo e recostou-se na cama, apoiada no cotovelo direito.
Poucos segundos depois, algo misteriosamente laranjinha demais mexeu-se irrequieto no chão. A bolinha de pêlo laranja saltou para cima da cama e encostou-se no peito e barriga de Mariza, parecendo também ele estar a ler o livro.
- Então, González? – fazendo-lhe uma festinha no pêlo denso – Também queres ler um Romance?
A resposta obtida foi: Miau!
- Ora fazes muito bem! Ler é importante. – disse-lhe eu.
Miauf, Miauf-iauf!
- A Inês? Está a jantar com o Fernando, o seu namorado.
González espirrou.
- Não te preocupes! O rapaz é bom tipo.
González continuou a miar baixinho e Mariza foi lendo.
Como sempre acontecia, o gatinho fofíssimo começou a lamber-lhe a pequena tatuagem que tinha no polegar esquerdo: uma rosa com pequenos ramos e espinhos.
Mariza levantou-lhe a sobrancelha, como por hábito. (...)
Os olhos de Mariza já começavam a pesar.
- Mariza? Hermana? – alguém perguntou.
Mariza levantou a cabeça, arregalando os olhos e assustando González que também ele tinha despertado de um belo sono. Piscou os olhos para ver melhor.
- Alejandro? O que fazes aqui? Que horas são? – perguntou ela, esfregando os olhos e ajeitando os caracóis para trás.
- En Español, hermana.
Mariza arqueou as sobrancelhas.
- Por qué? Nuestra historia comenzó en Portugal.
- Sí, pero yo soy de Barcelona y no de Lisboa.
- Ya lo sé. Sólo estoy diciendo que debes aprender Portugués.
- Sigue despierto?
- Fuiste tú quien me despertó.
Ele riu-se.
- Ya es hora de acostarse.
Ela fez uma careta.
- Yo soy la hermana mayor! Soy yo quien da las órdenes! – disse de modo autoritário, mas na brincadeira.
- Muy bien. Muy bien, no digo más nada.
Ela deu uma gargalhada.
- Estás esperando Inês?
- Sí.
- Pero ya es tarde...
Mariza suspirou.
- Bueno, tal vez es mejor que me acueste.
- Estoy de acuerdo. Manãna puedes cansar con el viaje.
- Sí, tienes rázon. Buenas noches. – disse, inclinando-se para lhe dar um beijo.
- No tienes un novio?
- Qué? Un novio?
- Sí...?
- NO!
- Por qué dices así?
- Por qué... no hace falta un novio.
- No? – perguntou desconfiado.
- No. Qué fue? – vendo a cara estranha que o irmão fez.
- Nada, es sólo que... eres muy hermosa y debes tener un montón de chicos detrás de ti...!
- No, no realmente, Alejandro. Pero, por qué estas perguntas?
- Nada, nada.
- No oculto nada! Dime, qué pasa?
Ele suspirou. Depois contou-lhe que gostava de uma rapariga da sua escola, mas que ela parecia não mostrar interesse por ele. Perguntou-se várias vezes se a culpa era dele... algo que tivesse feito mal, algo que ela pudesse não gostar nele...
Mariza acalmou-o e aconselhou-o. Falaram quase mais uma hora.
Finalmente, despediram-se. Mariza olhou para o relógio que marcava 24 horas em ponto. E Inês sem aparecer...
Desligou o candeeiro, vestiu a camisa de dormir fresca, enfiou-se na cama e quase aos pés da cama, pernoitava também o pequeno González.
Inês berrava NÃO! PÁRA!, a Fernando que a segurava ao colo e dava pulinhos até chegar à porta do seu apartamento. Com uma mão, tirou as chaves de casa do bolso das calças de ganga e com a outra segurava em Inês. Ela apreciou a sua força. Entraram em casa. Inês agarrou na cara dele com as duas mãos firmes. Beijou-o profundamente. Fernando, com a mão livre, fechou a porta, sem tirar os lábios dos dela. Às apalpadelas, dirigiram-se ao enorme quarto de Fernando.
Pousou Inês na cama, tirou o casaco e lançou-o para cima do sofá branco perto da estante de CD’s. Inês tirou as sandálias de salto alto e atirou-as para cima do tapete escuro. Também tirou o vestido e ficou apenas de roupa interior. Fernando aproximou-se dela, lentamente, ajoelhou-se em cima da cama de frente para ela. Tirou-lhe o sutien de rendinhas brancas.
Inês despiu a camisa dele e percorreu-lhe o peito com as mãos curiosas.
Fernando agarrou-lhe o queixo num ápice. Beijou-a loucamente.
Deitaram-se, totalmente abraçados, encaixados um no outro.
Por entre suspiros e pequeninos gemidos, Inês sentia Fernando a beijar-lhe a cara, os braços, as mãos, a tocar na sua barriga e a acariciar-lhe os seios e as pernas.
Naqueles momentos, nenhum deles se preocupou com o futuro.
Nenhum deles pensou que provavelmente esta era a última vez que estariam felizes juntos.
Inês, portanto, não quis pensar que dentro de uns dias, Fernando voltaria para Inglaterra.
Fernando, por sua vez, não quis pensar que amanhã a sua amada partiria para Lisboa.
Não quiseram pensar em nada disso... não quiseram ou se calhar, até se tinham esquecido, porque o mais importante, é que naqueles derradeiros e preciosos momentos, estavam inteiramente felizes...!
Sete horas depois, Mariza estava prestes a fechar a sua terceira bagagem de roupa. Uffa!, suspirou de alívio.
Vestiu uma roupa confortável para a viagem e mirou-se ao espelho.
Os seus grandes olhos verdes estavam cansados. Bah!, detestava dormir menos de 10 horas. Mas não fazia mal, tinha mais do que tempo suficiente para dormir no autocarro. Olhou para o despertador; faltavam 30 minutos para ela e Inês irem para a paragem. Ela e Inês! Onde raio estava Inês? Perguntava-se Mariza. Pôs as malas à porta do seu quarto e o pequeno González andava a miar por entre as suas pernas, pedindo comidinha.
Mariza abriu a varanda, foi à casinha especial de González e encheu o seu pratito de comida que ele tanto gostava.
De repente, os seus ouvidos detectaram uns familiares saltos de cunha.
Virou-se para trás e avistou Inês, muito corada, um pouco despenteada e com o vestido amarrotado.
- Então, Loirinha? Isto são horas de se chegar?
- Desculpa, Mariza, desculpa. Eu acordei à bocado e vim logo para aqui.
- Hum-hum, tou a ver que a noite de ontem foi... marcante!
Inês revirou os olhos, mas sorriu.
- Não tens nada a dizer? – picou Mariza.
- Deixa cá ver... acho que... NÃOOO! – exclamou Inês, impedindo a curiosidade nata da amiga.
- Opa, vá lá! Pormenores!
- Nem pensar!
- OH! És tão má para mim!
- Pois sou.
Mariza bufou.
- Ai-ai! As minhas malas! – disse Inês, batendo com a mão na testa.
Mariza olhou-a se olhos semicerrados.
- Já estão feitas, Loirinha.
- A sério?
- Qual é o espanto?!
- Oh, obrigada, obrigada, obrigada. És a Espanholita mais fixe, amorosa e atenciosa que eu conheço! – exclamou Inês, dando-lhe beijinhos na bochecha.
Mariza levantou uma sobrancelha.
- Dizes isso, porque sou a única que conheces.
Inês riu-se. Ambas desceram até à sala. (...)
- Voy echaré de menos, papá. – disse Mariza abraçada ao seu pai.
- Y yo también. – disse o seu pai, afagando-lhe as costas.
- Ven a visitarme.
- Tal vez.
- Cuando Alejandro llega a Lisboa, tú también puedes ir con él.
- Voy a pensar en ello. Te lo prometo.
Mariza sorriu-lhe. Agarrou nas suas bagagens e foi ter com Inês à porta, que já se tinha despedido de toda a gente.
- Vamos? – perguntou Inês.
Mariza acenou com a cabeça, sentindo lágrimas nos seus olhos.
Apanharam um táxi até à cidade e lá apanharam o autocarro que as levava de volta a Lisboa. Arrumaram as bagagens e foram sentar-se.
Inês pousou com cuidado a pequena casinha móvel do González no seu colo. Tirou o telemóvel do bolso e procurou os fones.
Mariza abriu o livro na última página que lera na noite anterior. Suspirou.
- O que foi, Mariza?
Encolheu os ombros e disse:
- Não sei.
- Passa-se alguma coisa. O que foi? Diz-me.
Mariza desviou o olhar.
- Estás assim por deixares a tua família?
- Também, mas não é só isso.
- Então...?
- Não sei, Inês! É difícil de explicar.
- Ao menos podes tentar.
Mariza fitou-a pensativa.
- Sinto que alguma coisa está prestes a mudar.
- E está. Vamos regressar a Lisboa. As nossas férias de sonho acabaram.
- Não é isso. É muito mais do que isso.
- Não percebo pevas do que estás a dizer.
- Sinto que a nossa vida vai mudar. A vida de ambas. E é a partir de amanhã.
- E porque sentes tal coisa?
Mariza encolheu os ombros, novamente.
- Sexto sentido?!
- Hum, começo a ter medo do teu “sexto sentido”.
- Disseste isso de forma... misteriosa.
- Tenho razões para isso.
- Hum.
- Bom, mas também tenho de admitir que esse teu sexto sentido nunca nos deixou mal.
- Ora aí está uma boa verdade.
- Portanto, espero que essa “mudança” seja...boa!
- Pois, já somos duas.
- Não te preocupes.
- Sim, deve ser só uma parvoíce minha...
O motorista ligou o autocarro. Inês sorriu.
- Olha, vamos partir. – disse ela.
- Parece que sim.
Inês ligou a música no seu telemóvel e colocou os fones nos ouvidos.
Mariza lia, enquanto que o pequeno González dormia muito profundamente.

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